Muito se tem discutido, especialmente no Setor Público,
sobre direito de atualização de software. A coisa acontece mais ou menos assim.
Um órgão do governo publica um edital de licitação para comprar "n" licenças de
um dado software. Insere-se no contrato uma cláusula obrigando a contratada a
fornecer suporte e eventuais atualizações de software que porventura venham a
ser disponibilizadas. O fabricante lança uma nova versão do produto, com as
mesmas funcionalidades da versão anterior e algo mais. O órgão público solicita
a nova versão. O fornecedor informa que não se trata de uma atualização e sim
de um novo produto. O órgão discorda e entra na justiça para obter o que acha que tem
direito. E o imbróglio está formado. Afinal, o órgão tem ou não direito à nova
versão? O quê é uma atualização de software?
Essa não é apenas uma questão técnica. É também jurídica.
Depende não apenas das peculiaridades técnicas da nova versão solicitada, mas
também do texto contratual. Infelizmente, não encontrei sequer um parecer ou
artigo jurídico sobre o assunto. Mas independentemente disso, quero fomentar
aqui uma discussão em torno do bom senso.
Em primeiro lugar, acredito que suporte e atualização de
software são coisas bem diferentes e que não deveriam estar misturadas. Uma
coisa é prover suporte para algo já conhecido. Outra coisa completamente
diferente é garantir a entrega de uma atualização que nem sequer ainda existe e
sabe-se lá se vai existir algum dia. Trata-se de algo imprevisível que
compromete a precificação do contrato. Na melhor das hipóteses, o fornecer vai
cobrar um adicional por essa imprevisibilidade e isso aumenta
desnecessariamente o custo do contrato para ambas as partes. Acho que um
contrato no máximo deve prever suporte e garantia de funcionamento para as
funcionalidades declaradas explicitamente no edital.
Em segundo lugar, acho que os órgãos públicos estão
confundindo “atualização de software” com “versão de software”. A confusão
procede, pois em geral um software atualizado pelo fabricante gera uma nova
versão. Até aí tudo bem. Ocorre que, se o fabricante passar a oferecer uma nova
versão em substituição à antiga, incluindo novas funcionalidades ou talvez as
mesmas só que de uma forma diferente, trata-se de um outro produto e não há
mais que se falar em “atualização”. Desculpa aí, Governo, mas o fabricante não
é obrigado a fornecer um produto X se você comprou Y. E se tal cláusula existe
no contrato, para mim ela é abusiva, economicamente inexequível e nula por si
só. É como se comprássemos um carro modelo 2014 e o fabricante fosse obrigado a
substituí-lo pelo modelo 2015 assim que fosse lançado. Uma coisa é a fabricante
honrar a garantia do veículo ou então promover um recall para corrigir um
problema com potencial de comprometer o uso previsto do carro. Isso é um
direito do consumidor. Atualização de software deveria ser apenas aquelas melhorias ou correção de bugs (patches) que eventualmente são disponibilizadas livremente pelo fabricante sem custo adicional para aqueles que já possuem uma licença.
Recentemente tomei conhecimento de um órgão do Governo que
havia adquirido centenas de licenças de produtos da suíte Adobe CS e cujo
contrato de fornecimento previa atualizações durante certo período. Ocorre que
durante esse período a Adobe lançou uma nova linha de produtos chamada Adobe CC
(Creative Cloud) e aquele órgão público exigiu a atualização, sob pena de
anular o contrato e solicitar a devolução de todos os valores pagos – um grande
equívoco e absurdo em minha opinião. Mesmo que exista uma cláusula para isso,
ela é nula por si só, pois é abusiva e fere o equilíbrio financeiro dos lados que assinaram o contrato.
E, pasme, o órgão público fez tudo isso mesmo sabendo que o esquema de
licenciamento da Adobe CC era subscrição e o anterior, licença de uso perpétua.
Acho que faltou bom senso desse órgão público, por mais que o fornecedor tenha
sido ingênuo em assinar um contrato com uma cláusula tão abusiva (se é que ela
existe).
Atitudes como essa são na verdade um tiro no próprio pé do
Setor Público. Pode haver uma evasão de participantes nas próximas licitações
ou o preço pode aumentar muito: desnecessariamente!
Comentários
"são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...".
Segundo Hélio Zagheto Gama:
"As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam contaminar o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam".