Não importa se você leu os livros da série Fundação, de Isaac Asimov, ou se ficou interessado em assistir à série homônima por outras razões. Meu conselho é simples: não perca seu tempo vendo a série. Em vez disso, leia os livros de Asimov. Você vai se divertir muito mais. Explico abaixo.
A série Fundação, disponível na Apple TV+, é baseada nos livros de Isaac Asimov, especialmente na trilogia Fundação, Fundação e Império e Segunda Fundação. No entanto, é possível identificar elementos de outros livros complementares à trilogia, como Crônicas da Fundação, A Fundação e a Terra e Fundação II, e até de outras obras do autor.
Como ocorre com toda adaptação para a TV, é natural que a história seja reescrita e sofra alterações — ainda mais quando se trata de uma obra como Fundação, que abrange vários séculos e inúmeros personagens. Era esperado que as adaptações fossem significativas.
Mas o que vemos na série é mais do que uma adaptação: trata-se de uma completa desfiguração da obra de Asimov. Se estivesse vivo, duvido muito que ele se agradaria do resultado final. Para ser honesto, da obra original, mal se aproveitam o título, os nomes de alguns personagens e os lugares. A essência da história, baseada na "psicohistória" — suas previsões matemáticas e os esforços de Hari Seldon para mitigar os efeitos da queda do Império por meio do estabelecimento de duas "comunidades" —, foi reduzida a blefes, acaso, improviso e rebelião. Em relação aos personagens, a desfiguração é ainda pior.
Era compreensível que, numa adaptação televisiva, a história fosse ajustada para manter os mesmos personagens ao longo dos episódios. Do contrário, seria necessário escalar novos atores a cada episódio para refletir o salto temporal da narrativa original. No entanto, a solução encontrada para perpetuar os personagens foi feita à custa de desfigurar a obra. Poderiam, por exemplo, ter encurtado a linha do tempo e reescrito a história para ocorrer em um período de no máximo um século ou pouco mais. Também seria plausível alegar que, em um futuro distante, as pessoas viveriam mais de 100 anos. Contudo, preferiram recorrer a subterfúgios preguiçosos, como clonagem humana (de um personagem pouco relevante na trama original), câmaras de criogenia e até a materialização de um corpo humano (sem qualquer explicação plausível), a partir de uma projeção digital baseada em IA de alguém já falecido. Comentarei mais sobre essa desfiguração da história a seguir.
Além disso, a escolha de certos atores foi muito infeliz. Leah Harvey, por exemplo, não convence em nenhuma atuação. Ela até melhora um pouco na segunda temporada, mas na primeira é quase insuportável assisti-la. Suas falas, olhares, expressões faciais e gestos são forçados e pouco naturais. O parceiro de cena dela, Daniel MacPherson, também apresenta uma atuação fraca, a ponto de nem convencer ao chorar. Até Jared Harris, que entregou um excelente desempenho em Chernobyl, surpreende negativamente aqui. Ele interpreta um personagem caricatural que não convence em nada — sua única expressão parece ser levantar a sobrancelha direita. Isso até seria aceitável em um filme ou série da Marvel, onde o humor permite caricaturas, como nos casos de Tony Stark ou Loki. Mas Fundação tenta se levar a sério. Laura Birn até convence, mas sua personagem foi tão desfigurada que nem deveria estar ali. Dos poucos que se destacam positivamente, temos Lou Llobell, que entrega uma ótima atuação, e Lee Pace. No entanto, Pace parece repetir o mesmo papel que interpretou como rei elfo, o que questiona sua versatilidade como ator. Terrence Mann talvez mereça algum reconhecimento. Já os demais atores não valem a menção.
Graças a essas atuações fracas, a série não consegue criar imersão nem gerar identificação com os personagens. Além disso, a introdução de cada personagem é breve e superficial, tornando difícil sentir empatia por eles. Isso faria sentido caso houvesse a troca de atores em cada episódio para manter a fidelidade à linha do tempo original. No entanto, como os personagens são perpetuados, havia tempo de sobra para desenvolvê-los melhor. Em vez disso, a série desperdiça tempo com subtramas irrelevantes. Por exemplo, os episódios que tratam da crise diplomática envolvendo as zéfiras poderiam ser descartados sem nenhum impacto nos eventos seguintes. Há apenas uma menção breve ao episódio quando Dia decide o destino de Amanhecer após descobrir que ele foi "corrompido". Porém, a menção é irrelevante, já que Demerzel executa Amanhecer de qualquer forma, e todo o aprendizado de Dia na crise das zéfiras é completamente ignorado. A forma como a Segunda Fundação é apresentada também é ridícula, sem valer comentários.
Agora, sobre os personagens: o Hari Seldon da série nada tem a ver com o dos livros. A série apresenta alguém inseguro, que ora diz dominar a psicohistória, ora parece perdido e sem rumo. Suas previsões são relevantes apenas no início, e depois não se fala mais nelas. Os eventos subsequentes são conduzidos pelo acaso e pela reação dos personagens, sem qualquer planejamento. A psicohistória, ponto central na obra original, torna-se uma mera lembrança. O "plano" é rapidamente desviado, dependendo de esforços aleatórios e heroicos de personagens que mal sabem o que estão fazendo. Em alguns momentos, até premonições individuais e paranormais tornam-se a chave para resolver crises.
Nos livros, as crises são resolvidas com inteligência, estratégia e suspense, explorando temas como política, diplomacia, religião, comércio e tecnologia. Já na série, tudo parece resolvido de maneira aleatória e sem profundidade. Os personagens se comportam como crianças em um ataque de bobeira.
Quer se divertir? Esqueça a série e leia os livros.
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