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Lojas de veículos usados reclamam da crise, mas baixar os preços que é bom... jamais!

Qual é o preço justo de um veículo usado?

Acho engraçado a "choradeira" das lojas de usados [e também dos particulares que não estão conseguindo revender seus veículos usados]. Reclamam da crise, que nunca tiveram um semestre tão ruim, mas baixar os preços que é bom... jamais! Preferem não vender, não movimentar o mercado, do que parar de especular e vender o carro no preço justo. Mas a questão é: O quê exatamente é um preço justo?

Os brasileiros em geral infelizmente não sabem o que é um preço justo de um carro (isso vale para bens usados em geral). Ainda vivem uma espécie de fantasia na qual carro é investimento, enquanto que no resto do mundo carro é simplesmente um bem de consumo que você compra, usa e "joga fora", ou vende bem baratinho como qualquer outro bem de consumo. Mas não! Os brasileiros preferem encarar um carro como investimento e até se endividam horrores achando que estão investindo em algo que vão resgatar no futuro. Ledo engano. Um pensamento equivocado que remonta ao tempo em que linha telefônica era um investimento de luxo.

A única coisa certa que vai acontecer com um carro zero depois que você tirar ele da loja é desvalorizar. Ah, mas você pagou caro no carro e por isso quer vender ele, depois de usado, caro também? Problema seu. A desvalorização de um carro funciona assim. No primeiro ano desvaloriza 20% e nos anos seguintes 10%. Porque isso? Bom, esses 20% de desvalorização no primeiro ano representam justamente aquilo que na verdade não deveria ter valor algum: o luxo e a vaidade de comprar um carro zero com cheirinho de novo, e a ilusão de que a garantia de fábrica do carro vale o "investimento" a mais. Os outros 10% de desvalorização anuais são a depreciação normal do bem que acomete quase todos os bens de consumo que existem: Representam o desgaste natural das peças, a desatualização tecnológica e assim por diante. Então, ao final de 5 anos de uso, um carro vai valer apenas cerca de 52% do seu valor de novo. Então se você  comprou um carro zero a 5 anos atrás por R$100.000,00, deveria vender ele hoje pelo preço justo de R$52.488,00 -- nem um centavo a mais!

Resolvi escrever este post porque acabei de reencontrar uma amigo que está há quase 1 ano tentando vender um BMW que custa zero R$130.000,00, mas já tinha cerca de 5 anos de uso. Há quase 1 ano atrás, ele estava pedindo R$85.000,00. 'Oh, uma diferença de R$45.000,00' você talvez pense, um ótimo negócio... Só que não! Só uma pessoa mal informada compraria esse carro por esse preço. Melhor seria comprar um zero do que investir R$85.000,00 em um BMW com 5 anos. Perguntei a ele quanto que ele estava pedindo agora e ele disse que havia baixado para R$67.000,00 e ainda não tinha vendido. Fiz um cálculo de cabeça e disse a ele que o preço agora não estava tão ruim quanto antes, mas que ele só ia vender rápido quando chegasse em R$62.000,00. Este seria o preço justo. Qualquer preço acima disso não seria um bom negócio e dependeria, como já disse, de uma pessoa mal informada para comprar. É claro que ele só faltou me bater, mas essa é a realidade dos bens de consumo. Se ele prefere se iludir e achar que carro é investimento, o problema é dele.

Na semana passada comprei um carro com 4 anos de uso que zero custou R$75.000,00. Paguei R$43.000,00, um ótimo negócio, pois o preço justo dele era R$43.740,00. Aliás, era mais ou menos esse o preço na Tabela FIPE, mas foi difícil encontrar esse carro por menos de R$45.000,00. A ilusão dos proprietários e vendedores é tão grande que nem a Tabela FIPE consegue convencê-los (mas em alguns casos ela não é confiável). Não vou nem desejar boa sorte a eles, pois acho isso um absurdo. Atitudes como essas só servem para inflacionar o mercado, inclusive de carros zeros. Se mais pessoas vendessem seus usados por preços mais coerentes com a realidade dos bens de consumo, quem sabe até os novos também baixariam de preço, como ocorre em outros mercados. A culpa dos preços altos de carros aqui no Brasil é em grande parte das próprias montadoras e revendedoras, e tudo o que eles sabem fazer é colocar a culpa nos impostos e chorar pela redução do IPI que, afinal, nunca nem será plenamente repassado para os consumidores. Mas os compradores também precisam mudar de mentalidade e começar a boicotar os preços dos zeros. Os usados vão continuar desvalorizando os mesmos percentuais de sempre, mas a perda em termos absolutos vai ser menor.

Inflação no Brasil

Sempre que falamos em preços acabamos entrando no debate de porque o fantasma da inflação vive assombrando o nosso mercado. Na verdade não é fantasma coisa nenhuma, pois a inflação é algo real aqui no Brasil. Diversas pesquisas já demonstraram quais são as causas de inflação. Algumas causas são inerentemente econômicas, outras não. É justamente o caso do Brasil, acredito. Aqui, a inflação não é simplesmente culpa do excesso de dinheiro no mercado. Então, não adianta quase nada ficar aumentando a taxa de juros, como o Governo tem feito. Aqui no Brasil, diferentemente de outros países, aumentar a taxa de juros só gera retração. O problema da inflação no Brasil é outro. Aqui a inflação ocorre por razões comportamentais e culturais.

Desde o descobrimento do Brasil que existe uma forte tendência de "comodismo" entre os brasileiros. O nosso legado cultural é ganhar mais com o mínimo de esforço possível. Mas o que isso tem a ver com a inflação? Simples. Basta entender um pouquinho de economia. Quando a demanda de um dado produto sobe, e a oferta se mantém constante, os preços também tendem a subir. E é justamente isso o que ocorre no Brasil. O empresário típico do Brasil aumenta os preços sempre que percebe um aumento na demanda. Isso porque a nossa tendência é o comodismo. Não queremos trabalhar mais, então se a demanda está aumentando, vamos aumentar os preços para manter a oferta e não precisarmos trabalhar mais. Em outros países não é assim que funciona. Ao menor sinal de aumento da demanda, os empresários investem no crescimento e aumentam também a oferta do produto. Isso ajuda a manter os preços sob controle e ainda promove o crescimento econômico. Aqui no Brasil, infelizmente, isso não ocorre. Aqui o que vale é a lei do menor esforço.

Aí os preços tendem a subir. O Governo vai e aumenta os juros. Sobra ainda menos dinheiro no mercado para empresários investirem em aumento da produção. Daí a oferta cai mais ainda. Os preços sobem ainda mais. E assim continua o ciclo vicioso. E o Governo se ilude achando que está controlando a inflação. Tirar dinheiro do crédito aos consumidores não tem muito impacto na demanda, pois no Brasil o consumo gira muito em torno de itens essenciais. Então o brasileiro continua comprando, mesmo com os preços altos. O aumento na taxa de juros só provoca mais inflação. E assim as coisas vão piorando cada vez mais.

Comentários

Anônimo disse…
quando você vende o seu carro também faz essa conta, ignorando a tabela FIPE?

ex.: tenho uma moto 250cc modelo 2012 comprada zero km em novembro de 2011...
paguei 10.500 nela...
pelas suas contas em novembro de 2015 ela valeria R$ 6.100,00 mas a tabela FIPE me diz que ela "vale" R$ 8.000,00 (quase dois conto de diferença).

E aí? Tento vender a 8 mil aceitando 7500 sendo "ganancioso"
ou passo por 6 mil "com a consciência limpa de que estou ajudando o mercado de usados no Brasil"?
Samuel Diniz disse…
Oi anônimo,
Obrigado pelo seu comentário. Não ignoro a tabela. Ela é uma referência importante. Mas defendo vender um usado pelo seu preço justo. Entenda que isso não significa fazer caridade para ninguém. É um bem que você faz, em primeiro lugar, para si mesmo, e também para o mercado. Ao vender pelo preço justo, você vai vender mais rápido, vai poder contar com o dinheiro logo, comprar outro bem, investir etc...
No caso, sugiro incluir a inflação no seu cálculo. Como ela está galopante, o preço justo da sua moto seria algo em torno de 7 mil. Se conseguir vender rápido por 7,5 ótimo. Mas só uma pessoa mal informada compraria sua moto por 8 mil.
Abraço!
Unknown disse…
Parabéns pelo Blog Samuel!
Esse mercado automotivo e o grande gargalo que faz com milhares de brasileiros se endividem através da ilusão do carro novo , não sou um especialista no assunto mas te digo que sou entusiasta se podemos chamar assim. Você deu uma opinião que achei jogada de mestre , o famoso cheque mate, na hora que o brasileiro começar a entender que investimentos é tesouro direto, CDB e outras aplicações e deixar de lado esse negócio de achar que comprar carro é investimento , a famosa serra pelada ficará estagnada para as montadoras e revendedoras e terão que começar a praticar preços que condizem com a realidade de um país que, talvez esteja atravessando sua maior crise econômica de toda a história.
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Samuel Diniz disse…
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